A Defensoria Pública de SP obteve uma decisão liminar que determina que sejam inseridos os campos “identidade de gênero” e “orientação sexual” nos sistemas RDO (Registro Digital de Ocorrência) Infocrim e nos boletins de ocorrência eletrônicos realizados nas delegacias do Estado de São Paulo, a serem preenchidos de forma obrigatória pelos/as profissionais de segurança pública, mas de maneira opcional às pessoas entrevistadas. A decisão prevê, ainda, o prazo de 60 dias para que as medidas sejam implementadas.
A ação foi proposta no mês de dezembro pelo Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial da Defensoria, com intuito de aprimorar os mecanismos de pesquisa dos sistemas digitais de registros de ocorrência policial em relação a casos envolvendo a comunidade LGBTI, melhorando, assim, o atendimento e o acolhimento da população LGBTI, sobretudo das mulheres trans, no sistema de segurança pública.
Segundo consta na ação, os registros e mecanismos de pesquisas, para fins estatísticos e de consulta para realização de políticas públicas, são insuficientes. Hoje, não é possível identificar, por exemplo, pelos sistemas da Secretaria de Segurança Pública que alimentam as estatísticas criminais, quais crimes são cometidos contra a população LGBTI, pois o RDO e o Infocrim não informam quantas mulheres (travestis, mulheres trans e lésbicas) sofrem violências, em contexto doméstico/familiar ou não, e os sistemas também não são capazes de fornecer informações sobre os crimes provocados em razão de preconceito decorrente de orientação sexual ou identidade de gênero.
Decisão
“No mundo dos fatos, entretanto, o Brasil pena para se estabelecer como uma democracia efetiva, capaz de assegurar o convívio na diversidade e o respeito às múltiplas formas de ser e de se expressar. O racismo estrutural, o machismo, o preconceito contra os pobres, contra as comunidades indígenas e quilombolas, a xenofobia e outras formas de discriminação são expressões perenes de uma sociedade marcada pelo autoritarismo, pela violência em suas variadas formas e pela abissal desigualdade social, esta que nos faz um dos países mais injustos do mundo”, consignou o Magistrado.
Ele também destacou a histórica luta da comunidade LGBTI pela afirmação de seus direitos e pelo reconhecimento de sua dignidade, luta essa marcada por um processo de “invisibilização” e de violência simbólica. “Na sociedade brasileira, ainda muito conservadora (e, em certos aspectos, reacionária) em relação a costumes, esses grupos seguem marginalizados, inclusive no âmbito institucional. Eles não são mencionados na Constituição Brasileira. A produção legislativa na defesa de seus direitos é praticamente nula. As maiores conquistas do movimento LGBT se deram no âmbito da jurisprudência, com destaque para as decisões do Supremo Tribunal Federal” pontuou o Magistrado.
O Juiz também apontou que, na ação, ficou demonstrado que a inserção dos campos “identidade de gênero” e “orientação sexual” nos sistemas RDO, boletins de Ocorrência e INFOCRIM permitirá dimensionar corretamente o grau de violência que a população LGBTI sofre, especialmente no que se refere aos chamados crimes de ódio, “o que contribuirá decisivamente no desenvolvimento de estratégias para melhor garantir a segurança e a vida digna e livre de discriminação e violência ao grupo”. Também apontou que a medida atende ao princípio maior da dignidade humana e dos direitos à igualdade, à vida, à liberdade e à segurança pessoal. “Os direitos fundamentais não podem ser reconhecidos paulatinamente, ou pela metade. Pelo contrário, reitere-se: eles têm eficácia plena e aplicabilidade imediata, por injunção da própria Constituição (art. 5º, § 1º)”.
Assim, concedeu decisão liminar para que a Secretaria de Segurança Pública do Estado de SP providencie a inserção dos campos “identidade de gênero” e “orientação sexual” nos sistemas RDO, Boletins de Ocorrência e INFOCRIM, de preenchimento obrigatório pelos profissionais de segurança pública, mas opcional aos entrevistados, respeitando a autodeclaração das pessoas.