*Renato Sérgio de Lima
A saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública tem impactos políticos e jurídicos gigantescos. As denúncias em relação às tentativas de instrumentalização da Polícia Federal e de acesso privilegiado a informações de inquéritos em andamento são gravíssimas e merecem apuração rigorosa por parte do Ministério Público e do Judiciário. A fala de Moro revela potencial conflito de interesse e/ou improbidade administrativa na nomeação de pessoas ligadas ao presidente para cargos-chave do setor de segurança pública, com impactos diretos em denúncias e investigações contra figuras que poderiam ter ligação com a presidência da República.
Porém, para além da esfera política, é interessante analisar a gestão do agora ex-ministro à frente da segurança pública do país. Em termos concretos, Sergio Moro beneficiou-se de um momento positivo na redução de alguns dos principais índices de criminalidade violenta, cujas razões não são facilmente identificáveis, mas não soube aproveitar o seu enorme poder político para levar adiante as tão necessárias reformas da segurança pública para que a área não viva em um eterno pêndulo de subidas e descidas do medo e da violência.

Fonte: Monitor da Violência; G1, Fórum Brasileiro de Segurança Pública e NEV-USP.
Além disso, em um rápido balanço, é possível destacar, do lado positivo, que Moro conseguiu sensibilizar a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal para a urgência de combate do crime organizado das facções de base prisional (PCC, CV, entre outras). Também teve papel importante na articulação com o governador de São Paulo, João Doria, para a transferência das lideranças do PCC no início de 2019 para presídios federais. E, mais recentemente, sob sua gestão, a PF prendeu Fuminho, um dos maiores atacadistas de drogas da América do Sul, que era o grande aliado do chefe máximo do PCC, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola.
Lado negativo
Já do lado negativo, a gestão Moro ficou a reboque do Planalto na discussão sobre a ampliação do porte e posse de armas de fogo e munições, bem como teve uma atuação tímida no combate às milícias; e não participou das conversas para a modernização do R200, decreto que regula as Polícias Militares no país, que estão sendo tocadas pelo Palácio do Planalto e pelo Ministério da Defesa, e que visam a proposição de Projeto de Lei que instituí a Lei Orgânica das Polícias Militares.
Também diminuiu o número de operações da Força Nacional de Segurança Pública em áreas indígenas e de proteção ambiental. Com sérias implicações diplomáticas e econômicas, em 2019, as ações ambientais e/ou em terras indígenas responderam por 12% das operações da FNSP. Em 2018, por 24%. Já dados do Portal da Transparência sobre Execução Orçamentária da União, em 2019, corrigidos pelo IPCA, revelam que o Ministério da Justiça e da Segurança Pública reduziu em 24,9% os gastos com a FUNAI. A gestão Moro aceitou a premissa do governo Jair Bolsonaro de afastamento da agenda indígena por parte do governo federal, que desconsidera o barril de pólvora e conflitualidade existentes nessas localidades.
Da mesma forma, Sergio Moro rivalizou com governadores para assumir protagonismo da queda de crimes observada em 2019 e sumiu após outubro do ano passado, quando vários índices voltaram a crescer. Ele também politizou demais, no começo do ano, o episódio em torno do motim da Polícia Militar no Ceará, dificultando as negociações; não apresentou nenhuma política de enfrentamento para a violência contra a mulher, que agora mostra sua face durante o distanciamento social; não teve capacidade de planejamento e aquisição em tempo hábil de EPI (equipamentos de proteção individual) para as polícias diante da pandemia; e, ainda, não obteve êxito em fazer suas principais vitrines, o Pacote “Anticrime” e o programa “Em Frente Brasil”, ganharem escala e efetividade.
Conflito
Ainda é importante destacar que Sergio Moro sempre manteve rota de conflitos com parcela do STF e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). E, em uma última tentativa de retomar destaque nas redes sociais e na mídia, agora em abril de 2020, o DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional) apresentou ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP a proposta de lidar com a pandemia de Covid-19 acomodando presos em contêineres, relembrando as “prisões de lata” dos anos 2000 e, ainda, o alojamento incendiado das categorias de base do Flamengo, no “ninho do Urubu”.
Em suma, Sergio Moro teve uma gestão tímida na segurança pública e não usou de seu grande prestígio político e de suas prerrogativas no cargo para avançar novas condições estruturantes para uma segurança mais cidadã e efetiva. Ao contrário do que a narrativa política propaga, tecnicamente, com base nas evidências disponíveis, Sergio Moro não deixará grandes legados para a segurança pública brasileira. Dito isso, a maior contribuição de Sergio Moro para o país não é a operação Lava Jato ou sua atuação à frente da pasta da Justiça e Segurança Pública. A meu ver, sua maior contribuição foi explicitar as razões do seu pedido de demissão, o que exigirá reações institucionais muito maiores do que simples notas de repúdio.
