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Em seminário promovido pelo MPF, especialistas defendem práticas mais eficazes para combate ao racismo na atividade policial

É preciso falar sobre racismo, documentar suas práticas e analisá-las para enfrentar o problema de forma eficaz, especialmente a discriminação que interfere nas atividades policiais e de segurança pública. Essa constatação permeou as palestras e discussões realizados no seminário Racismo e Segurança Pública: Conhecer para Enfrentar, promovido pelo Grupo de Trabalho Interinstitucional (GTI) Racismo na Atividade Policial, vinculado à Câmara de Sistema Prisional e Controle Externo da Atividade Policial do Ministério Público Federal (7CCR/MPF). O webinário ocorreu nesta terça-feira (26), com transmissão ao vivo pelo YouTube, reunindo membros do Ministério Público, integrantes das polícias Federal e Rodoviária Federal, dos Conselhos Nacional do Ministério Público (CNMP) e de Justiça (CNJ), representantes de organização da sociedade civil, estudiosos e especialistas, entre outros participantes.

O objetivo foi discutir os conceitos de racismo, apresentar estudos sobre o impacto de práticas discriminatórias na atividade policial e no sistema prisional, além de falar sobre formas de superar o problema, incluindo o papel das academias de polícia e da formação de policiais nesse enfrentamento. Durante a abertura, o coordenador da 7CCR, subprocurador-geral da República Francisco Rodrigues dos Santos Sobrinho, destacou a importância do evento, o primeiro realizado pelo GTI. “Tenho certeza de que, ao final, os resultados serão bastante proveitosos, não somente para o Ministério Público, mas para a sociedade brasileira como um todo”, disse.

A coordenadora do GTI, subprocuradora-geral da República Ela Wiecko, explicou o funcionamento do grupo, cuja composição foi idealizada para permitir visões plurais e troca de experiências entre órgãos do Sistema de Justiça, especialistas e representantes da sociedade civil organizada. O GTI tem plano de trabalho já traçado para os próximos dois anos, prevendo o registro de todas as atividades em relatórios. Essa documentação é muito importante, segundo destacou o advogado Leonardo Palazzi, diretor do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCrim) e mediador da mesa de abertura. “A pessoa de pele negra, durante muito tempo, foi considerada uma ameaça, e isso afeta a atuação policial. Há a construção de um estereótipo, que persiste e deve ser combatido com conhecimento”, afirmou. Outras autoridades presentes à mesa de abertura foram o juiz do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) Mario Augusto de Figueiredo, representando o CNJ, o promotor de Justiça Militar Robson Cícero Coimbra Neves, representante do CNMP, além de integrantes do GTI.

Conceitos – A primeira mesa temática teve o objetivo de discutir conceitos de racismo estrutural, sistêmico e institucional. Segundo Nívia Raposo, da Rede de Mães e Familiares da Baixada Fluminense, o racismo já aparece no primeiro contato com as instituições. Ela perdeu o filho militar aos 19 anos, assassinado por milícias, e conta que foi discriminada logo na chegada à delegacia para registrar o boletim de ocorrência. “A gente é criminalizado, marginalizado, e a Justiça é seletiva”, afirmou. De acordo com Monique Cruz, pesquisadora da área de violência institucional e segurança pública da ONG Justiça Global, “o racismo precisa ser nomeado, documentado e analisado, e é positivo que o MPF esteja tomando uma posição nesse sentido”.

Frei Davi, representante da ONG Educafro, destacou a necessidade urgente de que o Ministério Público precisa exercer, de forma efetiva, sua atribuição de controle externo da atividade policial para combater a violência contra populações negras e periféricas. A mesa foi mediada por Patrícia Oliveira, da Rede Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo do Estado.

Estudos – A segunda mesa temática reuniu especialistas que discutiram dados de diversos estudos sobre população carcerária, letalidade das polícias, flagrantes, entre outros. De acordo com os números apresentados, o encarceramento aumentou mais de 330% entre 2000 e 2020 no Brasil. Ao todo, 66% da população carcerária brasileira é composta por pessoas negras. Essa proporção aumenta na população feminina: duas em cada três mulheres presas são negras. Outra constatação foi de que se o ritmo atual de encarceramento continuar, um em cada 10 brasileiros estará em situação de privação de liberdade em 2075.

O debate abordou também estudos que reúnem evidências que podem ajudar na redução do racismo e da violência policial. Dados e experiências de outros países mostram que punições individuais não são suficientes; são necessárias reformas institucionais para mudar o quadro. Alguns fatores capazes de reverter o cenário são o aumento da transparência e o fortalecimento do controle externo da atividade policial. Participaram da mesa Fernanda Barros dos Santos, doutora em Ciência Política (UFRJ); Alberto Kopittke, diretor do Instituto Cidade Segura; Luiza Magalhães Dutra, doutoranda em Ciências Criminais pela PUC/RS; Gilvan Gomes da Silva, doutor em Sociologia e pesquisador da UnB; Eduardo Cerqueira Batitucci, doutor em Sociologia e pesquisador da Fundação João Pinheiro (MG). O debate foi mediado por Jacqueline Sinhoretto, doutora pela UFSCar e pesquisadora.

Formação em direitos humanos – A última mesa tratou do papel da formação dos policiais federais e rodoviários federais no combate ao racismo, discutindo se uma formação em direitos humanos adotada nas academias de polícia teria capacidade de enfrentar o tema e transformar a atuação dos policiais. Vários estudos foram apresentados, incluindo pesquisas que traçam o perfil racial da PF e da PRF e tentam mapear o impacto da adoção de cotas nos concursos públicos para as polícias. Uma das conclusões dos participantes é que, para ser efetiva, a mudança não pode ser feita apenas no nível individual e deve abranger as instituições como um todo.

Participaram da mesa Tainah Sousa do Nascimento, doutoranda pela UFPA; Anderson Pereira dos Santos, delegado da Polícia Federal e doutor pela UnB; Luciene Reis Silva, mestre pela UFSCar. Mediaram a mesa os seguintes integrantes do GTI: Páris Borges Barbosa, mestre pela UFF e representante da PRF; Juliana Carleial Mendes Cavaleiro, mestre pela UnB e representante da PF; e Ana Lívia Fontes da Silva, especialista pelo IFRN e é representante do Depen no GTI.

Na avaliação de Ela Wiecko, os debates atingiram seus objetivos e apontaram diversos caminhos para o enfrentamento do racismo. A subprocuradora-geral destacou que o problema não se restringe a uma ou outra instituição, mas atravessa toda a sociedade brasileira. Por isso, a superação do racismo é um dever de todos. “Não vamos conseguir fazer uma mudança de um dia para o outro, mas esse processo passa pela escuta da população negra”.

 

Íntegra dos debates já está disponível no canal do MPF no YouTube aqui.

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